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O Reino Domado


Pelas matinas do dia vigésimo primeiro da mesada de Maio, ousou encetar-se a jornada de conquista da Coroa Vicentina. De referir que esta missão só poderia ser tentada por via de variados e singulares factores que antecederam a tomada de decisão para tal “epopeia”. As escarpas, carreiros, estradas umbrosas e trilhos altos do território, têm vindo a ser calcorreados por batedores e mensageiros audazes e determinados. Sem eles, estes percursos, pelos desafiantes e colossais bosques que vivem oclusos no reino, estariam intransitáveis, mesmo para o mais destemido aventureiro. A devida vénia, assim como a suplementação vínica e alimentícia dos últimos, deve ser lembrada pela excelsa coroa.



A irmandade de aventureiros com a missão de partir com urgência foi deliberada e dirigida, por carta régia, a Altíssimo Lorde Jorge do castelo de Ponta do Sol, Lorde Filipe das terras sobranceiras aos montes do Beicinho do Diabo, Lorde Duarte das costas de Baixo, Lorde Márcio dos altos do Monte, Lorde e Reverendo Tomás dos mil e um bananeirais, Lorde António João do curato dos funchos e Lorde JP das penumbras da Ilha. Realizada que estava a chamada, os sete marcaram encontro para a subida primeira pelo trilho a que se apelida de Barbusinho. O espírito era assaz alegre, entreabrindo os olhares para a contemplação do tempo que se poderia anunciar. O sol alteou-se cedo para não mais largar as terras setentrionais da Ilha. O calor, assim como a subida agreste, tornaram os primeiros passos silenciosos e cautelosos. Um caprino animal montês surgiu, fazendo pouco do nosso caminhar, tal é a agilidade destes seres em se movimentarem nos mais ingremes cabeços de rocha. A primeira batalha contra os arvoredos e vastas plantas faziam antever uma jornada de sacrifício. À passagem pelo condado vitivinícola de terras e fartas hortas chamadas do Barbusano, a irmandade foi saudada com o cálice da partida, assim como com palavras de incentivo. O estalajadeiro, de nomeação Antoniana, recebeu a irmandade com laivos de festim que se dá a exércitos lendários e imbatíveis. A lisonja e agradecimento foram condimentos que Lorde Jorge fez chegar através de palavras nobres ao anfitrião. A satisfação marcava o espírito dos aventureiros, que, em face de tamanha jornada, oferendaram metade do cálice a estes destinado. Seriedade, honra e vigor pautavam o sentimento da irmandade. O caminho foi retomado, cabendo a um dos ditos “escudeiros” da coroa, registar no grande caderno deste condado, a passagem por estas terras.


“Pelas 9 horas deste mês de Maio, os Escudeiros da Coroa Vicentina, cruzaram esta propriedade. Degustaram um cálice de Bual, antes da demanda de conquista em que seguirão. Que Deus abençoe a odisseia. A irmandade rasgará os altos do vale central da Ilha, virado a norte.”

Jp

Maio de 2021 d.c.


A vinha já rebentada de um verde fresco, marcou as vistas que se começaram a distanciar em dia de tons azuis no alto dos céus. A bom ritmo, a primeira considerável subida tomou lugar. Nova luta contra os arbustos e plantas invasoras ocorreu, ficando claro no seio da irmandade que a tarefa não seria abonançada por sortes do acaso ou guerras fáceis. Ainda que tal, o palato adocicado do cálice bebido acalentava as forças que necessitariam de persistir. Lorde Jorge comandava a irmandade, fazendo alusões sapientes e concisas aos territórios que, ora galgávamos ou ora avistávamos. Picos, vales, cristas, cruzamentos de trilhos, tudo era abordado com rigor de cartógrafo exímio, assim como a par do recurso a uma invejável memória e perspicácia em bater labirintos de bosque em que é fácil perder o rumo. Unidos na necessidade de seguir a bom ritmo, a irmandade ousou alcançar a crista da coroa já pelas metades da quente manhã. Bradou-se acerca das primeiras vistas para o largo e marcante vale, lá em baixo, distante e revelador de casario e estradas onde escorre a civilização. A torre central do vale, ostentando um assinalável relógio, emergia no panorama como referência, assim como o sempre presente oceano no seu eterno abraçar do arquipélago.



Tomámos a direcção do Sul, procurando o enredo das próximas terras a cruzar. A luta contra obstáculos prosseguiu, aparecendo os primeiros sinais das feridas que não seriam possíveis evitar. Lorde Jorge necessitou de auxílio na extracção de um espinho incomodativo e debilitador, enquanto novas vistas para o vale emergiam e bandeirais de outros exércitos e reinados eram retirados em protesto.



No horizonte imaginário, balouçava o encontro com o vale das verdes e remotas terras de Boaventura, onde poder-se-ia admirar os picos mais altos da Ilha. Antes, a passagem por recantos onde as águas correm e podem ser armazenadas nos cantis da irmandade. A biografia sonora pautava-se pelo chilrear de pássaros amistosos e pacatos, assim como o penetrante silêncio dos altos da terra, só interrompidos pelas necessárias falas da irmandade e a brisa que dançava com os ramos e arvoredos sempre presentes. O primeiro repasto teve lugar em sombras convenientes para a integridade e retemperança da irmandade. Foram ingeridas bebidas e comidas que não se ocupa o escriba de aqui referir. Lordes não revelam o que comem e bebem, nem onde está armazenada a comida e bebida, diminuindo o risco de envenenamento por tribos hostis ou espiões e infiltrados de outros condados. Marcado ficou que revigorante foi.



As estimativas para a conclusão do primeiro dia de jornada iam sendo escalpeladas, sem que houvesse uma certeza. Os imponderáveis, assim como a imprevisibilidade do caminho não permite que se afirme com certezas quando chegará o fim da demanda. Estima-se, discute-se propostas, mas não existem certezas. Lorde Tomás, o mais agastado e fatigado dos missionários, apontava para as quatro horas um quarto para as sete. Quem sabe de códigos e artimanhas de guerreiros poderá decifrar esta estimativa, não estando ao alcance de qualquer mortal o decifrar do momento de chegada. Já com a alma embebida da árdua missão e os corpos quentes da marcha, a irmandade foi presenteada pela colossalidade dos meandros da criação. Dois vastos vales cobriam-se de nuvens, como que a representar a barreira entre aqueles que caminham nos altos e aqueles que se demoram nas vilas e aldeias. Ouviu-se uma expressão poética e honrosa, dirigida aos altos para que os deuses e transcendências auxiliassem a missão com benesses. “Diz-se que Deus criou a terra, mas teve ajuda de um mestre das artes para criar esta Ilha, este território!” Sorrisos saíram das faces dos ditos escudeiros, sem, no entanto, existir a perda da seriedade da missão. Foram momentos acalentadores e galvanizadores para o que estava por vir. A contemplação baseou-se num rápido olhar sobre as nuvens por quem acima destas marchava. Demoras não concorrem para a fortuna de tais odisseias e nesse sentido Lorde Jorge sempre entoava frases de alerta, respeitadas por todo o grupo, que coeso se mantinha.



A demanda do primeiro dia prosseguiu, correndo escarpas, lanços de vistas e rochedos sinalizadores do caminho. O ansiado ingresso na floresta densa do Chão do Milho era ainda miragem. No seio da irmandade sabia-se que ali seria o recanto de novo e último repasto antes da subida final até a hospedaria dos altos da Encumeada. Um escudeiro do grupo sinalizou sinais no horizonte, alertando que a chuva poderia estar por vir no dia seguinte. As carrancas e o desacreditar era patente nas faces aquentadas do dia abrasivo com laivos de sóis Egípcios. “Nunca sabemos, temos de estar preparados!”, lucidamente, palrou Lorde Tomás, cada vez mais debilitado e em busca de um pássaro que levasse a mensagem da sua desistência, assim como um alto pedido de urgência para o seu resgate e recolhimento em território seguro. Por essas horas, eram já visíveis as marcas de sangue da batalha, mas os espíritos mantinham-se determinados e incautos. “Olhai, além!”, sonorizou Lorde Jorge, apontando para os primeiros vislumbres do fim da odisseia.



Uma terra distante ainda, mas passível de ser vista e ansiada. O sol esfuziava as almas e corpos, parecendo que se poderia arder por tais desfiladeiros. O fantasma de um eventual atear de fogo por parte de tribos hostis pairou, levando a que o grupo fizesse a diligência de procurar as curvas frescas à beira de água. Uma vez perto das águas do vale e aproximados da floresta densa, esse perigo suspender-se-ia. “Avancemos por aqui!”, sinalizou Lorde Jorge. Esta secção do caminho pautou-se por uma trilha quase inexistente, apenas vislumbrável um túnel de plantas espinhosas que obrigou a quase rastejar montanha abaixo. Para além deste facto, o ingreme destas terras obrigou a uma luta que não deixou a irmandade indiferente.



Sendo possível adivinhar com rigor as marcas do caminho, o grupo separou-se por alguns momentos, voltando a se encontrar à beira d’água. Como o bom guerreiro aprende, à beira d’água é onde se retempera as forças, se refresca a face. A pedra de toque do rejuvenescimento vem nas puras águas que galgam os vales do reino. Por Maios, ainda frescas se encontram, tendo sido um momento quase idílico em que a irmandade saciou a sede, lavou as feridas e retemperou o espírito para a subida infernal até ao abrigo desse dia.


A incursão ocorria, no momento que narra a jornada, por bosques sobranceiros ao mítico Chão dos Louros. Lorde Jorge adiantou que não seria oportuna a passagem por este ajardinado parque, a fim de arrepiar caminho e evitar encontro com transeuntes que fossem a correr para as aldeias, espalhar a notícia e comprometer o secretismo da missão. “Viajemos até à casa dos aguardentíssimos guardiões das silvas e matos! Daí cortemos a direito em direcção à hospedaria.” Foi deliberado. A necessidade de recorrer à arte da camuflagem teria de ser incrementada a partir daqui, em face da proximidade a estradas mais concorridas pelos fluxos de viajantes das terras limítrofes do reino.



Em fadiga e já com o final desse dia no horizonte, a irmandade galgou as íngremes e airosas curvas da última subida. Lorde JP, incumbido da tarefa de batedor, elevou-se a passo apressado montanha acima a fim de se indagar da segurança do caminho. Separadamente, toda a irmandade chegou com sucesso ao fim, estando a primeira etapa da jornada realizada. Em fim de tarde alongado e soalheiro, o banquete dos guerreiros teve lugar, como forma de retempero de forças para a outra metade da jornada. Comeu-se e bebeu-se à moda de festins Romanos, havendo guerreiros que comeram por três dias, fartando-se quase alarvemente do que havia à disposição. No céu, o escurecimento da luz ocorreu, surgindo os primeiros pontos cintilantes no firmamento. Um vento de setentrião bafejava os arvoredos circundantes à hospedaria, por essa noite totalmente vazia de outros viajantes a fim de albergar em exclusividade a irmandade. Lorde Tomás foi resgatado em segurança e penitenciou-se em argumentário elevado acerca do desapontamento com que abandonava a missão. “É com tristeza e culpa que abandono, mas a honra eleva-se em mim para que esteja presente à chegada, nem que para tal tenha de fretar carroça que me transporte até lá. O silvante arvoredo e calor árido vindo do continente Africano, foram condimentos que resultaram na minha derrota. Desejo-vos bravura!” Disse Lorde Tomás, acalentando esperanças de solidariedade e compreensão por parte da irmandade. Afagado foi, Lorde Tomás dos mil e um bananeirais, por parte do grupo. “Ide-vos de coração limpo. Descansai e refocilai!” Despediu-se a irmandade do desistente.


A irmandade da Coroa Vicentina repousou. A noite caiu calada. Lá longe, no breu dos céus, escrevia-se uma lua de difícil compreensão para os sinais que queria a irmandade apreender. Sinais que pudessem significar fortuna ou infortúnio no que estava por vir.


Vigésimo segundo dia de Maio da Era comum.



Pela data que narra o capítulo, a irmandade saiu cedo para evitar os olhares que pudessem espreitar pela orla da hospedaria. Depois de uma noite de repouso, os guerreiros fizeram-se ao caminho. A manhã encontrava-se fresca e sem sinais de grandes nebulosidades. Depressa coube ao grupo ocultar-se nos bosques arrabaldios da Boca da Encumeada. Lorde Jorge alertava para uma secção do caminho que exigiria minúcia e o recorrer a cordas e artimanhas de escaladores dos inóspitos picos da terra. A desconfiança, assim como o respeito pela chamada de atenção, trespassaram a irmandade. Golpes de vista surgiram para o vale central da Ilha virado a sul. Outro vasto território que era passível de ser olhado dos altos, com reverência e com ambição de um futuro que trouxesse a conquista de outras coroas, outros vales da Ilha.



Sempre à ilharga de paredões esbeltos e hirtes, o caminho pareceu não ser tão entorpecido de matos e plantas impróprias. Este facto fez emergir o ânimo junto do seio da irmandade. “Hoje, ao que parece, temos caminho largo para seguir!”, sonorizou um elemento. “Adiante não nos espera facilidades!”, alertou outro. Como que a cobrir o espírito de dúvida, paulatinamente, um corrimão de nuvens, altas e escurecidas, despontava a norte, começando a cobrir as avinhadas planícies e montes do Reino de São Vicente. Os arrotares das comidas e bebidas ingeridas, fazia reconhecer que a irmandade havia se banqueteado com aprumo. Força e reservas eram condimentos necessários para o caminho. Sobranceiros a um interminável paredão de rochas, os guerreiros alcançaram a travessa dos infernos, em território conhecido pelos ancestrais magos e batedores, como os desfiladeiros da Rocha Negra. Um riacho cantante marcava o íngreme passadiço que teria de ser cruzado para se tentar passar a bica de rocha também falada no dia como parecendo ser o “Cabo das Tormentas”.



Aqui o grupo parou para analisar os procedimentos a se socorrer. Lorde Jorge, auxiliado por Lorde Márcio e Lorde António João, arquitectaram uma corda de segurança, enlaçada a uma firme urzela. “A passagem é em cota baixa” Bradou, Lorde Jorge. Não parecia haver passo ou vislumbre de caminho. Ainda que assim, tal como na existência, olhar além do costume pode trazer revelações do que não aparece visível ao primeiro olhar. Com efeito, existia, quase cirurgicamente, passos certos a dar, para que o cruzar daquela que foi a mais exposta secção do caminho, pudesse ocorrer sem que se perdesse algum elemento da irmandade. Um à vez, foi sendo possível passar as tormentas das terras da Rocha Negra. O auxílio da corda, assim como os alertas e incentivos mútuos resultaram no sucesso da passagem de todo o grupo por uma escarpa em que parece ser possível facilmente voar.



Daqui em diante, com tal etapa domada, as vozes zumbaram de orgulho e alívio, cabendo ditos entre a irmandade de que almejaríamos o planalto árido de Paúl da Serra antes do previsto. Novos sorrisos fizeram enrugar as faces dos destemidos guerreiros. Sabia-se que o repasto estaria para breve.


Pingados de águas oriundas de rochas e vãos de arvoredos, a irmandade galgou até território de torres de outros seres e reinos. Quase fazendo lembrar Cervantes e o seu Dom Quixote, as lutas com moinhos de vento transfiguraram-se para o cruzar de torres emproadas quase até a um firmamento que fazia balouçar nuvens e sóis intermitentes. A estrada era larga e plana, resultando num passo acelerado. O curato dos Estanquinhos foi momento de farto repasto. Quem dos céus olhasse para a irmandade, talvez antevisse uma certa sobranceria no talvez exagerado optimismo reinante. “A este ritmo alcançaremos o fim pelos sóis da tarde!”, foi sendo dito. A irmandade tomou o banquete da glória quase se homenageando a si mesma, tal era o optimismo e confiança. O caminho foi retomado, voltando a irmandade a entrar em território de densa floresta.



A passagem pelo aplanado carreiro da ancestral Levada do Plaino Velho foi curta, quase como que um adivinhar que as glórias se suspenderiam para breve. Tal como na vida, as lições vindas das transcendências surpreendem. Dizem cadernos em sânscrito, folhas de velho papiro que, quando o homem planeia Deus ri-se. Uma chuva persistente, se fazendo acompanhar por um nevoeiro misterioso, foram condimentos que assolaram a irmandade com o toque da surpresa desagradável. Lorde António João, para mais desajudas, caminhava órfão de sola de um botim. De rompante, instalara-se no seio da expedição um conjunto de factores ainda mais desafiadores. Plantas bravias aliadas à chuva, tornaram cada passo um contacto com um novo elemento. A água e o desconforto alcançaram todo o recanto dos corpos dos guerreiros. Ainda que tal, as vozes e os espíritos ainda se mantinham firmes. Lorde Jorge seguiu na dianteira e, depois do assimilar das novas circunstâncias, o optimismo voltou a se fazer sentir. Contundo, algo surgiu.



Entre nevoeiros e chuvas, a irmandade perdeu o rumo. O atabalhoamento, assim como a difícil percepção das marcas antigas em rochedos e brutas árvores, tornou a tarefa assolada por dúvida, desespero, ansiedade. A chuva fôra desafio inesperado. Perder-se à chuva soava a catástrofe. A expedição padeceu com voltas e conclusões de que o troço estava erróneo e não sabido. Para trás e para a frente e a irmandade continuava a perder-se, até que veio a lição da santa ignorância, aquela ignorância que não tem mal nem bem, é pura. Houvera de todos nos convencermos de que depois de tanto, finalmente tínhamos encontrado o caminho. Quase a passo de corrida e com alegria galgámos a encosta. São Vicente perdera-se na penumbra, inexistindo aos olhares da contemplação. A ignorância foi destronada num momento que ficará marcado nos grandes livros das lendas do tempo. Lorde Jorge, que na dianteira ia, parou. Silencioso, cabisbaixo, pensativo, quase um Lorde Jorge que nunca ninguém vira. Laivos de alucinação ou feitiço aziago trespassaram sua alma. Debruçado sobre si mesmo, meditabundo e estranhamente tomado de dúvida, não revelou o que se dera dentro de si. “Lorde Jorge, que tendes?!”, foi perguntado. O olhar da revelação soergueu-se na direcção do horizonte coberto de rasas nuvens. “Estamos a voltar para trás!”, disse. “Como pode tal ser!?” foi sendo dito, quase numa incredulidade nefasta. “Permita discordar, Lorde Jorge!”, ergueu-se uma voz, claramente em negação. “Vede os cortes nas plantas!”, “Frescos! Foi nós!” A revelação com prova ajudou a que a irmandade não duvidasse e cresse. A partir daqui, silenciosos, e sem grande recurso a falas, e uma vez encontrado o caminho, a irmandade ousou seguir o seu caminho. Perdeu-se na chuva as folhas do escriba que ia incumbido de narrar a jornada. Diz-se que a batalha no grande eucaliptal foi dolorosa, foi amarga. A descida fez-se com sangue e em terreno lodacento. A chuva não largou as ilhargas da escarpa. Diz-se nos baixios do Reino que todos foram avistados no Beicinho do Diabo, debilitados, mas vivos. Torturadas testemunhas foram para que negassem ter visto a irmandade completar a coroa. Durante tempos desacreditou-se que tivessem sobrevivido, até que, certo dia, uma pequena folha de papiro enrugado foi encontrada por pastor.


Para memória futura, a irmandade da Coroa Vicentina, concluiu com sucesso e muito sacrifício a sua missão! Reino Domado…”



Diz-se que os guerreiros são por vezes vistos nas terras altas da Ilha, camuflados e longe da civilização. Diz-se também que só serão vistos quando nova coroa carecer de resgate. Os grandes guerreiros não são vistos, são pouco falados, quase são ditos mitos. Diz-se que só fazem aparições quando uma missão de honra os chama. Há também quem diga que nos interlúdios das batalhas, vivem uma vida simples e pacata, disfarçados e camuflados de pastores, guardadores de gado, frequentadores de taberna, enfim, aparentemente miseráveis, mas por detrás de uma aparência pode haver um génio, um filósofo, um guerreiro…


Vigésimo oitavo dia dos Maios da corrente Era,

O Escriba do Reino Vicentino.


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